sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A banca internacional está devorando a Grécia

A crise do capitalismo é global, mas cada país deste vasto mundo vive um drama singular. A Grécia protagoniza uma autêntica tragédia.
Por Umberto Martins
Nesta quinta, 22, uma nova onda de greves sacudiu a Grécia. Trabalhadores do transporte público, motoristas de táxi, professores e controladores do tráfego aéreo cruzaram os braços um dia depois do anúncio de um novo pacote de arrocho fiscal imposto pela “troika” – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e União Europeia (UE).
Revolta crescente
Os principais sindicatos do país convocaram duas novas paralisações nacionais, para os dias 5 e 19 de outubro. A revolta da classe trabalhadora cresceu com as novas medidas, que incluem cortes de 20% nas pensões superiores a 1,2 mil euros e de 40% nas superiores a mil euros pagas a pessoas com idade inferior a 55 anos, redução de até 60% dos salários de cerca de 30 mil funcionários públicos e privatizações.
A iniciativa traduz a capitulação do governo social-democrata, liderado pelo primeiro-ministro George Papandreou, à pressão da “troika”, que exige sacrifícios adicionais para liberar um novo empréstimo no valor de 8 bilhões de euros, sem o qual a Grécia não poderá evitar a moratória em outubro.

Quatro anos de recessão

O empréstimo, apresentado pela mídia em geral como “ajuda” ou “socorro”, é um verdadeiro presente de grego. O dinheiro em questão não será destinado a aliviar as dores do povo, reduzir o desemprego ou estimular a produção. Vai direto para o bolso dos bancos credores (franceses e alemães são os mais expostos à dívida externa da Grécia), de modo a evitar a interrupção do pagamento.
Mais de 100 bilhões de euros já foram liberados com esta finalidade, condicionados (como sempre, em tais ocasiões) ao arrocho fiscal. O programa fracassou. O fantasma do calote não foi exorcizado. A crise da dívida piorou e um novo plano foi elaborado neste ano. O custo da brincadeira é alto para a nação e intolerável para trabalhadores e trabalhadoras.
O país já caminha para o quarto ano consecutivo de recessão (conforme admitiu recentemente o ministro das Finanças, Evangelos Venizelos), sendo de longe o que mais sofre as consequências da crise mundial. O PIB recuou 7,3% no segundo trimestre deste ano. A taxa de desemprego subiu a 16,3% no mesmo período, seu nível mais elevado desde o final dos anos 1990. Em 2010, quando a “troika” começou a ditar as regras da política econômica, era de 11,8%.
A tática subjacente aos pacotes visa viabilizar o pagamento da dívida externa ampliando o excedente extraído do trabalho (ou o tempo de trabalho excedente da sociedade, aquilo que Karl Marx denominou de mais-valia). Os ajustes em curso em toda a Europa têm também um objetivo mais profundo e ambicioso, que é elevar a competitividade da decadente indústria do velho continente, reduzindo os chamados custos trabalhistas, para enfrentar a concorrência da China. O resultado concreto e visível é o acirramento da luta de classes.
Círculo vicioso
Percebe-se que a depressão econômica não tem muito a ver com as crises rotineiras, cíclicas, que perturbam recorrentemente o sistema capitalista e cujas causas, objetivas, radicam no próprio processo de reprodução ampliada do capital. Trata-se, neste caso, do resultado lógico e inevitável dos pacotes da “troika”, feitos para preservar os lucros do sistema financeiro e que aprisionam a economia grega a um cruel círculo vicioso.
O ajuste fiscal é o remédio receitado pelo FMI, BCE e UE, para reduzir o déficit e forçar a economia de recursos suficiente para bancar o pagamento da dívida externa. Todavia, seus efeitos concretos não são necessariamente condizentes com tais objetivos. Os cortes nos gastos públicos contribuem para deteriorar ainda mais o quadro econômico, comprimindo o consumo, desestimulando a produção e reduzindo, por extensão, a própria arrecadação.
A relação dívida/PIB disparou no rastro do ajuste. Era de 127% em 2009, avançou para 142,8% em 2010 e 180% neste ano. A Grécia está hoje muito mais próxima da moratória do que antes do “socorro” patrocinado pela “troika”. Inúmeros economistas, progressistas e conservadores, consideram o calote inevitável.
A conclusão que se extrai dos fatos é que a banca internacional está literalmente devorando a Grécia. Portugal e Espanha seguem rumos parecidos. Os interesses desses povos e nações são sacrificados no altar dos credores em nome da estabilidade do euro. O bom senso sugere outro caminho, que passa pelo estímulo à produção, o combate ao desemprego e a valorização do trabalho. É este o clamor das ruas, a demanda dos grevistas e das forças políticas comprometidas com os interesses populares. Há uma pedra neste caminho: a ganância do capital financeiro.

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=164655&id_secao=2

Dólar sobe e bolsas caem. EUA e Europa têm que se mancar



(Paulo Henrique Amorim - Conversa Afiada)

 Fotos, charges e tirinhas

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O "bolsa esmola" americano

WSJ: 42.389.619 de americanos dependem do Bolsa Família para comer

November 4, 2010, 2:47 PM ET

In U.S., 14% Rely on Food Stamps

By Sara Murray, naquele jornal comunista, o Wall Street Journal

Um grande número de domicílios americanos ainda depende da assistência do governo para comprar comida, no momento em que a recessão continua a castigar famílias.

O número dos que recebem o cupom de comida [food stamps, a versão americana do Bolsa Família] cresceu em agosto, as crianças tiveram acesso a milhões de almoços gratuitos e quase cinco milhões de mães de baixa renda pediram ajuda ao programa de nutrição governamental para mulheres e crianças.

Foram 42.389.619 os americanos que receberam food stamps em agosto, um aumento de 17% em relação a um ano atrás, de acordo com o Departamento de Agricultura, que acompanha as estatísticas. O número cresceu 58,5% desde agosto de 2007, antes do início da recessão.

Em números proporcionais, Washington DC [a capital dos Estados Unidos] tem o maior número de residentes recebendo food stamps: mais de um quinto, 21,1%, coletaram assistência em agosto. Washington foi seguida pelo Mississipi, onde 20,1% dos moradores receberam food stamps, e pelo Tennessee, onde 20% dos residentes buscaram ajuda do programa de nutrição.

Idaho teve o maior aumento no número de recipientes no ano passado. O número de pessoas que receberam food stamps no estado subiu 38,8%, mas o número absoluto ainda é pequeno. Apenas 211.883 residentes de Idaho coletaram os cupons em agosto.

O benefício nacional médio por pessoa foi de 133 dólares e 90 centavos em agosto. Por domicílio, foi de 287 dólares e 82 centavos.

Os cupons se tornaram um refúgio para os trabalhadores que perderam emprego, particularmente entre os estadunidenses que já exauriram os benefícios do seguro-desemprego. Filas nos supermercados à meia-noite do primeiro dia do mês demonstram que, em muitos casos, o benefício não está cobrindo a necessidade das famílias e elas correm antes da chegada do próximo cheque.

Mesmo durante as férias de verão as crianças retornaram às escolas para tirar proveito da merenda, onde ela estava disponível. Cerca de 195 milhões de almoços foram servidos em agosto e 58,9% deles foram de graça. Outros 8,4% foram a preço reduzido. Este número vai aumentar quando os dados do outono forem divulgados já que as crianças estarão de volta às escolas. Em setembro passado, por exemplo, mais de 590 milhões de almoços foram servidos, quase 64% de graça ou com preço reduzido.

Crianças cujas famílias tem renda igual ou até 130% acima da linha da pobreza — 28 mil e 665 dólares por ano para uma família de quatro pessoas — podem ter acesso a almoços gratuitos. As famílias que tem renda entre 130% a 185% acima da linha da pobreza — 40 mil e 793 dólares para uma família de quatro — podem receber refeições a preço reduzido, não mais que 40 centavos de dólar de desconto.

Ps do Viomundo: Texto dedicado àqueles que acham chique os programas sociais na França, na Alemanha e nos Estados Unidos, mas tem “horror!” dos programas sociais brasileiros.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A justiça começa devagar, mas reage

O Caso Mayara

OAB reage a ataque ao Nordeste no Twitter

Universitária de SP que iniciou ofensas deverá responder por crime de racismo

Alessandra Duarte (O Globo)

A seção Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE) entra hoje, na Justiça de São Paulo, com representação criminal contra a onda de ataques aos nordestinos divulgada por meio do Twitter após a eleição de Dilma Rousseff.

No domingo à noite, usuários da rede de microblogs começaram a postar mensagens ofensivas ao Nordeste, relacionando o resultado à boa votação de Dilma na região.

A representação da OAB-PE é contra a estudante de Direito Mayara Petruso, de São Paulo, uma das que teriam iniciado os ataques.

Segundo o presidente da OAB-PE, Henrique Mariano, Mayara deverá responder por crime de racismo (pena de dois a cinco anos de prisão, mais multa) e incitação pública de prática de crime (cuja pena é detenção de três a seis meses, ou multa), no caso, homicídio.

Entre as mensagens postadas pela universitária, há frases como: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!".

- São mensagens absolutamente preconceituosas. Além disso, é inadmissível que uma estudante de Direito tenha atitudes contrárias à função social da sua profissão. Como alguém com esse comportamento vai se tornar um profissional que precisa defender a Justiça e os direitos humanos? — diz Mariano.

Em julho deste ano, a seção pernambucana da Ordem já havia prestado queixa à Polícia Federal contra pelo menos dez usuários do Twitter, por mensagens ofensivas aos nordestinos após as enchentes na região.

- Essas redes sociais são meios de comunicação de alcance nacional, e crimes que ocorram nelas são de ordem federal. São ofensas que atingem a todos os nordestinos, existe um direito difuso aí sendo desrespeitado — completa Mariano, para quem o nível agressivo da campanha pela internet este ano, apesar de não justificar os ataques, pode tê-los estimulado.

No domingo, usuários do Twitter insatisfeitos com a vitória de Dilma começaram a postar frases como "Tinham que separar o Nordeste e os bolsas vadio do Brasil" e "Construindo câmara de gás no Nordeste matando geral".

Como reação, outros usuários passaram a gerar uma onda de mensagens com "#orgulhodesernordestino", hashtag que ficou entre os primeiros lugares no ranking mundial de temas mais citados no Twitter.

Preconceito e fascismo

Por Rodrigo Vianna - Serra plantou ódio, e o Brasil colhe preconceito: as manifestações contra nordestinos na internet

Vídeo reúne as manifestações horrorosas de ódio que tomaram conta da internet nos últimos dias – com calúnias, ofensas e ameaças contra o povo nordestino. É de revirar o estômago. Mas ajuda a lançar luz sobre um Brasil que não gostamos de ver. É bom que o povo do Nordeste saiba como pensam muitos paulistas e sulistas que gostariam de eleger Serra.
Não ao fascismo!

A campanha conservadora movida pelos tucanos, a misturar religião e política, trouxe à tona o lodo que estava guardado no fundo da represa. A lama surgiu na forma de ódio e preconceito. Muita gente gosta de afirmar: no Brasil não há ódio entre irmãos, há tolerância religiosa. Serra jogou isso fora. A turma que o apoiava infestou a internet com calúnias. E, agora, passada a eleição, o twitter e outras redes sociais são tomadas por manifestações odiosas.

http://www.youtube.com/watch?v=tCORsD-hx0w&feature=player_embedded

Como se vê no vídeo acima, não foi só a tal Mayara (estudante de Direito!!!) que declarou ódio aos nordestinos. Há muitos outros. Com nome, assinatura. É fácil identificar um por um. E processar a todos! O Ministério Público deveria agir. A Polícia Federal deveria agir.

E nós devemos estar preparados, porque Serra fez dessas feras da direita a nova militância tucana. Jogou no lixo a história de Montoro e Covas. Serra cavou a trincheira na direita. E o Brasil agora colhe o resultado da campanha odiosa feita por Serra.

Desde domingo, muita gente já fez as contas e mostrou: Dilma ganharia de Serra com ou sem os votos do Nordeste. Não dei destaque a isso porque acho que é – de certa forma – uma rendição ao pensamento conservador. Em vez de dizer que Dilma ganhou “mesmo sem o Nordeste”, deveríamos dizer: ganhou – também – por causa dos nordestinos. E qual o problema?

E deveríamos lembrar: Dilma ganhou também com o voto de quase 60% dos mineiros e dos moradores do Estado do Rio.E ganhou com quase metade dos votos de paulistas e gaúchos.

Parte da imprensa – que, como Serra, não aceita a derrota e tenta desqualificar a vitoriosa - insiste no mapinha ”Estados vermelhos no Norte/Nordeste x Estados azuis no Sul/Sudeste”. O interessante é ver - aqui - a votação por municípios, e não por Estados:há imensas manchas vermelhas nesse Sul/Sudeste que alguns gostariam de ver todo azulzinho.

No Sul e no Sudeste há muita gente que diz: “não ao ódio”. Se essa turma de mauricinhos idiotas quiser brincar de separatismo, vai ter que enfrentar não apenas o bravo povo nordestino. Vai ter que enfrentar gente do Sul e Sudeste que não aceita dividir o Brasil.

Serra do bem tentou lançar o Brasil no abismo. Não conseguiu. Mas deu combustível para esses idiotas. Caberá a nós enfrentá-los. Com a lei e a força dos argumentos.

http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/serra-plantou-odio-brasil-colhe-preconceito-as-manifestacoes-contra-nordestinos-na-internet.html#more-4871


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dai a César o que é de César

Vítimas de abusos cometidos por padres farão passeata no Vaticano: : :


Ratzinger fica a olhar os problemas do Brasil -- que não são de sua alçada -- e esquece de olhar os problemas da Igreja Católica que são bem piores. No entanto tal olhar para o Brasil tem um endereço certo: setores mais conservadores, em particular os Carismáticos e a Opus Dei. Vamos ver em quanto tempo a ICAR pode conseguir se recuperar do desgaste que vem sofrendo...

"Vítimas de abuso cometidos por padres católicos tentarão fazer uma passeata no Vaticano neste domingo, apesar da falta de autorização policial para o protesto. O objetivo é exigir que a Igreja se esforce mais para proteger as crianças e punir os responsáveis.

Bernie McDaid e Gary Bergeron, fundadores do site de vítimas de abusos (www.survivorsvoice.org), disseram nesta sexta-feira, em coletiva de imprensa, que iniciariam uma petição para que a Organização das Nações Unidas considere a pedofilia sistêmica um crime contra a humanidade.

"Não somos aleijados. Somos pessoas feridas e que agora estão dispostas a falar sobre isso. A culpa e a vergonha estão encobertas", afirmou McDaid, que se tornou uma das primeiras vítimas de abuso a se encontrar com o papa Bento 16, em Washington, há dois anos.

As revelações sobre crianças que foram abusadas sexualmente por padres nas últimas décadas abalaram a Igreja neste ano, particularmente na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália.

McDaid, de 54 anos, e Bergeron, de 47, foram abusados pelo mesmo padre quando eram crianças, em diferentes cidades da região de Boston. Os atos tiveram cerca de sete anos de espaço entre si e ocorreram na década de 1960.

Ambos eram coroinhas e disseram que foram molestados por um padre que foi denunciado pela primeira vez como pedófilo em 1962, mas acabou realocado de paróquia em paróquia em vez de ter sido excomungado.

Eles se conheceram já como adultos, em 2002, quando os escândalos dos abusos sexuais da Igreja chegaram aos Estados Unidos, com seu epicentro em Boston.

Neste ano, um novo capítulo veio à tona, quando vítimas de outros países, incluindo Irlanda, Áustria, Itália e a Alemanha, terra onde nasceu Bento 16, contaram suas histórias. Bispos em várias nações europeias renunciaram ao sacerdócio por terem sido revelados como pedófilos ou pela conivência com casos de abuso.

Bergeron e McDaid liderarão dois dias de atividades em Roma ao lado de vítimas de abuso de 12 países, com final programado para domingo, que eles intitularam o Dia da Reforma, o aniversário do dia, em 1957, quando Martinho Lutero iniciou a reforma protestante.

Depois de se juntarem no Castelo de Santo Ângelo, no Rio Tibre, eles pretendem fazer uma passeata à luz de velas até o Vaticano. A polícia italiana negou permissão para a última parte do protesto, mas os organizadores dizem que o farão de qualquer forma. Eles esperam a adesão de centenas de vítimas e apoiadores da causa."





http://www1.folha.uol.com.br/mundo/822412-vitimas-de-abusos-cometidos-por-padres-farao-passeata-no-vaticano.shtml

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Excelente dado do JB Costa

Causa-me perplexidade o clima de paranóia que assoma na presente campanha eleitoral. De ambos os lados. O clima de conspiração parece que tomou conta de tudo e de todos.

São tantas que inevitavelmente alguns temores possuem fundamento. Mesmo porque a experiência do primeiro turno provou isso. Mas, a partir daí, passar a ver fantasmas em cada esquina são outros quinhentos. Afinal, temos ainda um aparato institucional, em especial o Judiciário, para inibir eventuais tentativas do que chamamos popularmente de "melar o jogo".

Na ordem do dia acerca dessas desconfianças está a real intenção da Folha de São Paulo em acionar o STF para ter acesso aos dados do processo da candidata Dilma Rouseff, sob a guarda do STM.

Sem dúvidas que o diário paulista tentará fazer uso político de qualquer informação contida nesse processo caso encontre algo desabonador para a ex-ministra. Isto é indiscutível.

Entretanto, antes de sair por aí arrancando os cabelos, é salutar conhecer a história recente do país e, especificamente, como agia o aparato repressor que surgiu no país após a revolução de 1964.

Acerca do papel e da atuação da candidata na contra-ofensiva armada do regime há um ponto em comum nas diversas biografias divulgadas na mídia e na rede: sua condenação, em 1970 pelo STM, a seis anos e um mês de prisão e cassação dos direitos políticos por dez. Pena depois comutada para três anos, o que garantiu sua saída da prisão em 1972.

Aí vem meu testemunho pessoal acerca desse período conturbado da nossa história. Não na condição de sujeito ativo, mas por espectador, digamos, involuntário.

Em 1973, já com dezoito anos prestei concurso para a função de guarda penitenciário e fui alocado para o presídio estadual Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), inaugurado em 1970 para substituir a antiga Cadeia Pública, depois tombada pelo patrimônio público.

Foi nesse primeiro emprego que passei a tomar ciência da face sangrenta da “redentora”. Antes, a imagem a nós impingida pelo esquema de comunicação do regime era a de que combatíamos verdadeiros demônios em figura de gente. Onde as alternativas políticas se resumiam a duas: “Brasil: ame-o ou deixe-o”.

Nosso escasso treinamento para exercer as novas funções de segurança era dado por militares e envolvia doutrinamento nesse sentido. Não esqueço as palavras de um Major no primeiro dia de “aula” alertando-nos de que a partir daquele momento – assunção do cargo - iríamos ter ficha e sermos acompanhados pelo SNI. O interessante é que para nós, jovens imberbes e inexperientes, aquilo parecia mais uma honra do que uma ameaça.

Para minha sorte (avaliação a posteriori) fui designado para o pavilhão dos presos políticos, mais conhecidos no jargão da época como “subversivos”. Confesso que tremi um pouco na base. Mas, fazer o quê?

Meus primeiros contatos com os “terroristas” foram na base da desconfiança. Encharcado de preconceitos, temia ser cooptado por eles e, quem sabe, cair também nas mãos das “feras”.

Tudo diferente. Tudo errado. Tudo fruto de mentiras e mistificações de um regime cruel e criminoso. Passei a ter contatos com jovens um pouco acima da minha idade, educadíssimos e de cultura muito, muito acima da média. Os mais velhos, normalmente ex-sindicalistas ou comunas da “velha guarda”, não diferiam do padrão.

De cabeça lembro ainda os que mais me impressionaram: Fabiani Cunha e um irmão que me recordo agora o nome, Manoel da Conceição, José Sales, José Genuíno, Dower Cavalcante, José Duarte, José Jerônimo, William Montenegro. Dower me iniciou nos ensinamentos sobre Marx e Engels. Após sair da prisão terminou medicina e morreu de infarto aos 43 anos. Grande ser humano.

Manoel da Conceição(maranhense, um dos fundadores do PT), me chocou ao contar suas torturas. Mostrava no corpo o que um ser “humano” era capaz de fazer a outro em defesa de uma ideologia. José Genuíno sempre loquaz. José Duarte era da velha escola, egresso da intentona de 1935. Era famoso pela sua resistência física e altivez. Ao ser preso, segundo se dizia, sempre repetia o chavão: “meu nome é Zé Duarte, sou comunista e não tenho nada a declarar”. Aí o pau cantava e ele de boca fechada.

Bem, mas o foco desse post não é bem relembrar essas pessoas nem as boas relações que tive com elas durante o convívio de dois anos no presídio, e sim, aliviar a tensão dos que acham que a Folha irá achar e publicar dados prejudiciais nos autos do processo que a condenou.

Meu acesso as fichas dos recolhidos ao presídio causaram-me forte impressão pela penas severas impostas aos presos políticos. Era normal os acusados de delitos mais graves (seqüestros com morte, atentados) serem condenados à Prisão Perpétua. Lembro-me bem de três encarcerados do IPPS condenados a passarem a vida inteira na cadeia. “Crimes menores”, mesmo que os autores não tivessem participado de atos de sangue, eram justiçados com condenações de trinta, vinte anos. O regime não dava sopa não.

Baseado nessa constatação e na pena relativamente "branda" imputada a Dilma, acho inverossímil, salvo algum enxerto, o processo dela conter dados escabrosos tais como assassinatos, atentados terroristas ou coisa que o valha. Eventuais delações, o que também não creio, já teriam sido espalhadas. Ademais, que valor legal ou moral tem os dados de um processo arrolado com base em torturas e sevícias?

A atitude da Folha em termos jornalísticos é explicável e justificável em parte. A parte que falta é exatamente não ter o mesmo empenho em perscrutar a vida pregressa do Serra nesses tempos turbulentos. Ou, em outras palavras, camuflar como jornalístico uma ação rasteira e eleitoreira.